quinta-feira, 9 de maio de 2013

A VIDA É UM TAMPO DE FOGÃO

         
            Algumas semanas atrás eu estava em casa lendo um livro quando ouvi um enorme estrondo vindo da cozinha. Corri para ver o que tinha acontecido e era o tampo de vidro do fogão que estourou porque liguei o forno com ele fechado, fazendo aquele barulhão. Fiquei morrendo de raiva, mas enfim não havia mais jeito, o tampo do meu fogão já era.
            A partir daí, eu que nunca tinha dado importância aquele tampo de vidro, não deixava de enxergar aquilo cada vez que entrava na cozinha. Nunca tinha sentido a beleza daquele tampo intacto, mas agora, com ele quebrado parecia que tinha perdido muita coisa.
            Foi aí que começou o meu martírio e essa crônica. Comecei a ligar para todos os lugares que eu acreditava que pudessem colocar um tampo novo no fogão, mas ninguém dava solução para o meu problema. O modelo havia saído de linha e o que as pessoas diziam era que mais fácil seria trocar o fogão de uma vez.
            Fiquei pensando em quanta coisa a gente passa a enxergar e dar valor só depois que perde. No fundo o tampo do fogão é igual tudo na vida, só damos valor na hora em que perdemos.
            Pensei também em como somos tantas vezes descartados por causa do que parecemos ser. Ou como julgamos o livro pela capa. O fogão continuava a ter a mesma função que sempre teve, mas por causa de um tampo transparente que não tinha importância nenhuma estava prestes a ser descartado.
            Queremos que a verdade seja mais bonita e mais enfeitada do que ela realmente é, quando a beleza da verdade reside justamente na imperfeição.
            Quantas pessoas e coisas você já descartou da sua vida por causa de um tampo transparente? Todos os dias corremos o risco de descartarmos ou sermos descartados por causa de um tampo que não revela a nossa verdadeira essência. Um lindo tampo transparente não quer dizer que o fogão é usado para fazer comida boa.
            A vida sob muitos aspectos pode ser um tampo de fogão quebrado. Quantas vezes uma briga besta, um ciúme bobo, ou uma discussão idiota promovem o calor que faz o tampo do fogão estourar?
            Ta na hora de aprendermos a dar valor no nosso fogão de várias bocas sem tampo sorrindo pra nós...

quinta-feira, 2 de maio de 2013

VIOLÊNCIA SE COMBATE COM EDUCAÇÃO, CULTURA E INCLUSÃO

            O amigo leitor já reparou como de tempos em tempos a sociedade parece viver uma onda de intolerância. Basta alguma tragédia midiática para reavivar velhas discussões.  De uns tempos para cá, uma das bolas da vez é mais uma vez a maioridade penal. Muita falação e pouca reflexão. Por incrível que pareça ainda tem muita gente por esse país afora acreditando que se pode mudar a realidade com leis.
            Não é segredo para ninguém que temos um sistema carcerário falido e ineficaz, incapaz de cumprir a sua função de ressocializar. Mas ao que parece isso não preocupa a sociedade, uma vez que esse problema não parece bater diretamente a nossa porta. Assim como não nos mobilizamos para que as escolas sejam melhores, desde que a escola do nosso filho seja boa. Não nos preocupamos com a violência na televisão. A miséria não é problema nosso, é dos políticos. E como se os políticos caíssem do céu e não fossem reflexo da nossa escolha de sociedade vamos levando a vida. Assim, a gente acha que o problema da mendicância se resolve não dando esmola, por que a médio prazo serviria para tirar da nossa vista o que não queremos ver. E a violência a gente acha que resolve com leis mais rigorosas.
            Já vi isso tantas vezes. É lei de crimes hediondos achando que isso iria acabar com os crimes graves. Lei de tóxico, achando que com a punição mais severa, o tráfico estaria contido. Lei de violência doméstica achando que isso resolveria o problema da violência contra a mulher. Ao grito da sociedade, leis novas vão surgindo e seguimos tratando o efeito sem tratar a causa. Alguns países do mundo adotam até pena de morte e adivinhem, isso não reduz a criminalidade, ao contrário gera sociedades mais violentas. Quanto mais violenta uma sociedade se dispõe ser por meio de suas leis e instituições inevitavelmente mais violência colherá.
            A mídia espalha a mentira de que adolescentes ficam impunes, quando na realidade muitas vezes recebem uma apenação maior do que a de adultos. O problema da violência juvenil ou não, nunca foi de legislação, sempre foi social e cultural. Vemos as famílias se despedaçarem e toleramos a tudo isso e queremos que de uma sociedade doente surjam jovens sadios.
            Queremos cadeia para os filhos dos outros, pois quando são os filhos da classe média que pisam na bola a gente acha que não é caso de prender. É assim que playboyzinho que usa drogas de ponta circula livremente pelas faculdades e são muito bem quistos. É assim que as mães protegem os filhos que chegam bêbados em casa no final da madrugada depois de fazerem sabe o que pela rua. É assim que a gente tolera racha, é assim que a gente suporta que nossos filhos se achem melhores que os outros e cometam bullyng (ou seja lá como se chama) contra qualquer um. Os pais aplaudem os filhos machos que pegam o carro para sair pegando as menininhas, e depois saírem contando vantagens e destruindo a moral de qualquer uma.  Agora se é o favelado que aponta uma arma para alguém esse tem que ser preso. Afinal de contas quem são o “eles” que devem ter a maioridade penal reduzida?
            A gente não vê movimento social para ajudar as famílias vítimas das drogas. A gente não vê movimentos de verdade pela cultura, pela educação, pela inclusão. Discursamos muito, fazemos muito pouco. Colocamos a culpa nos políticos e dormimos tranquilos. É mais conveniente para todo mundo eliminar os miseráveis do que as misérias que os produzem. Entre as muitas causas de violência no Brasil não se encontra a idade de responsabilização criminal. Por fim, entendo que de uma forma ou de outra a nossa Constituição não permite a redução, mas nem por isso consigo deixar de ficar incomodado com a discussão...