sábado, 29 de março de 2008

Mulher de Rosa

Depois de regar suas plantas, como fazia todos os dias, olhou a paisagem da janela demoradamente. Se colocou, então, no ritual diário. Tomou seu banho com delicadeza e vagar. Gostava de ver como a espuma era parcialmente dissolvida pela água que escorria do seu corpo e do chuveiro e era levada pelo ralo. Chegou a achar graça dessa pequena aventura que trilhava a espuma. Desligou o chuveiro e secou-se com esmero. Vestiu-se, como fazia todos os dias, com a roupa que se sentia mais bonita, um vestido rosa que comprará em um brechó e do qual encomendara outras quatro ou cinco reproduções idênticas. Pôs a fita rosa na cabeça e fez o laço, da mesma maneira que todos os dias. Passou o batom com delicadeza e sorriu ao ver-se no espelho. Cuidou de todos os detalhes da maquiagem, não permitindo que nada passasse desapercebido. Por sob a meia calça de tom escuro, colocou o seu sapato cor de rosa. Borrifou sobre si o mesmo perfume que usava a quinze anos, mas respirou o ar perfumado a sua volta como se fosse a primeira vez que sentisse aquele aroma. Decidida, abriu a porta e pegou o elevador rumo ao buffet por quilo que ficava no primeiro andar do seu prédio. Após servir-se sentou-se na mesma mesa de todos os dias. Solitária como todos os dias. Ninguém para quem pudesse criticar ou elogiar a comida. As pessoas a sua volta a olhavam com ar de deboche. Cochichavam entre si e riam dela. O que eles não sabiam é que ela era a bondade em pessoa.

Natal dos Reis Carvalho Júnior
(inspirado no Homem Inesperado)

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